O procurador-geral de Justiça, Deosdete Cruz Júnior propôs que conversas entre advogados e clientes faccionados sejam gravadas. A fala do representante do Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) ocorreu durante o lançamento do programa ‘Tolerância Zero ao Crime Organizado’, realizado no Palácio Paiaguás, em Cuiabá, nesta segunda-feira (25).
Durante o discurso, Deosdete defendeu que a medida, além de beneficiar a sociedade, auxilia no combate de crimes comandados de dentro das unidades prisionais.
“Nós precisamos relativizar esse direito sim! O advogado que está atendendo um faccionado, ele tem que ter sua conversa gravada para o bem da sociedade”, disse em um trecho.
Mesmo expressando respeito à Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT), a entidade repudiou a fala de Deosdete. A presidente da OAB-MT, Gisela Cardoso, definiu a proposta como infeliz e inaceitável. Além disso, ela reforçou que o sigilo entre é advogado e cliente é assegurado por lei.
“Em relação ao sigilo entre advogado e cliente, trata-se de um direito absoluto que, em hipótese alguma, pode ser relativizado, que além de uma prerrogativa da advocacia, representa a garantia dos direitos fundamentais e constitucionais do cidadão”, declarou.
Em nota, o procurador-geral de Defesa das Prerrogativas da OAB/MT, Pedro Henrique Marques, lamentou a proposta de Deosdete e afirmou que ele generalizou a profissão ao afirmar que ‘alguns profissionais’ deturpam a advocacia, agindo como ‘pombos correios’ do crime organizado, sem, contudo, apresentar nomes ou provas que sustentem a acusação.
“A manifestação do chefe do Ministério Público constitui inequívoca tentativa de criminalização da advocacia, bem como inegável negativa de direitos e garantias fundamentais do cidadão estabelecidos na Constituição Federal”, diz trecho da nota.
Mato Grosso na rota do crime
Ainda durante o evento, o Governo do Estado anunciou a criação do Comitê Integrado de Combate ao Crime Organizado, composto pelo MPMT, Poder Executivo, Poder Judiciário e outras instituições do sistema de Segurança Pública.
O objetivo é fortalecer ações conjuntas para combater facções criminosas dentro e fora das penitenciárias, além de propor mudanças na legislação.
A violência associada às facções criminosas em Mato Grosso vem deixando rastros de brutalidade e medo em várias regiões do estado. Em Cáceres, a 220 km de Cuiabá, a adolescente Gabriela da Silva Pereira, de 16 anos, foi torturada e morta após fazer uma live criticando a qualidade da droga vendida por uma facção.
Na época, dois suspeitos, de 20 e 24 anos, foram presos e autuados por tortura, organização criminosa e homicídio qualificado. Segundo a Polícia Civil, a crítica feita pela vítima nas redes sociais foi interpretada como propaganda para um grupo rival, o que motivou o crime.
Outro caso bárbaro ocorreu em Porto Esperidião, a 358 km de Cuiabá. As irmãs Rayane Alves Porto, de 25 anos, e Rithiele Alves Porto, de 28 anos, foram mortas após fazerem, supostamente, um gesto associado a uma facção rival durante um festival de pesca. Candidata a vereadora, Rayane administrava um circo com a irmã, e ambas foram sequestradas e torturadas em um cativeiro. Outros dois jovens também foram mantidos no local, mas um deles conseguiu escapar e denunciar o crime.
A situação alarmante de violência em Mato Grosso é confirmada pelos dados do Atlas da Violência 2024 e do Monitor da Violência. O município de Sorriso, a 420 km de Cuiabá, ocupou a 7ª posição entre as cidades mais violentas do Brasil, com uma taxa de 77 homicídios por 100 mil habitantes em 2022.
No estado, os números de 2023 mostram 919 homicídios dolosos registrados, além de 15 casos de latrocínio e dois de lesão corporal seguida de morte, totalizando 936 crimes violentos. Esses dados, compilados pelo Monitor da Violência, expõem a crescente presença de facções criminosas e a urgência de medidas enérgicas para conter o avanço do crime no estado.(G1)