O suicídio, muitas vezes visto como um tabu, poderia ser comparado a um câncer silencioso que corrói a alma. Assim como o câncer físico, ele se manifesta após anos de dores acumuladas e não tratadas, mas, ao contrário do câncer que afeta o corpo, o suicídio destrói a essência, a própria vontade de viver.
Na visão sistêmica, o câncer pode ser a última maneira que o corpo encontra para se proteger de dores emocionais que, eventualmente, se manifestam fisicamente. Cada órgão acometido pela doença carrega um significado emocional.
Quando falamos de câncer no corpo, entendemos que é o resultado de uma ameaça ao equilíbrio do nosso organismo, algo que o corpo tenta desesperadamente combater. Analogamente, o suicídio é o ponto final de uma batalha invisível, onde a mente, sobrecarregada de sofrimento emocional, chega ao limite.
Por que falamos sobre o câncer, mas não sobre o suicídio?
Somos inundados por campanhas de conscientização sobre o câncer de mama e de próstata, e isso é extremamente necessário. Contudo, existe uma discrepância evidente quando se trata de falar sobre o “câncer da alma”.
Por que não há a mesma abertura para falar de suicídio? Se podemos alertar milhões sobre a importância do autoexame de mamas, por que não podemos falar abertamente sobre a necessidade de cuidar da saúde mental?
Em cada Outubro Rosa, vemos campanhas emocionantes, balões cor-de-rosa, campanhas de chocolate e mensagens de apoio. Porém, quando setembro acaba, as iniciativas que buscam conscientizar sobre o suicídio no Setembro Amarelo parecem desaparecer.
No dia 1º de outubro, já não se fala mais de saúde mental. Onde estão as campanhas que tratam a depressão e a bipolaridade com a mesma seriedade que tratamos o câncer?
Autismo, por exemplo, é amplamente discutido, e isso é importante. Mas, felizmente, o autismo não representa um risco imediato de vida. A depressão, a bipolaridade e o suicídio, por outro lado, são ameaças reais e constantes.
A superficialidade das campanhas
É revoltante observar como algumas empresas participam dessas campanhas apenas para se alinhar com o “hype” do momento. Estampam balões amarelos em seus perfis nas redes sociais, lançam produtos temáticos e organizam palestras superficiais, mas qual o impacto real disso?
Essas ações são esquecidas tão rápido quanto começam. Falta profundidade, falta acolhimento verdadeiro. Quando o mês de setembro termina, assim como os balões amarelos murcham, o interesse pela saúde mental parece também desaparecer.
Além disso, vejo muitas empresas e escolas sem coragem de abordar o tema do suicídio de forma aberta e honesta. Em vez disso, falam sobre o Setembro Amarelo como sendo um mês dedicado à saúde mental, sem ao menos mencionar a questão do suicídio.
Embora seja maravilhoso que o Setembro Amarelo incentive diálogos sobre saúde mental, omitir a tragédia que é o suicídio apenas reforça o estigma. Não podemos ser sutis ao ponto de ignorar o fim trágico que o suicídio representa para aqueles que estão em dor profunda.
Devemos lembrar que o suicídio é, de fato, o fim da linha para muitos que estão sofrendo, mas antes de chegar a esse ponto, existem inúmeras oportunidades para intervir, apoiar e oferecer recursos de prevenção.
Precisamos falar abertamente sobre suicídio porque se trata de uma campanha de prevenção à vida. A própria Suicidologia, a ciência que estuda o comportamento suicida, nos ensina que o foco deve ser sempre na vida, naquilo que podemos fazer para evitar que alguém chegue a esse ponto.
No entanto, o tabu em torno do suicídio leva muitos a acreditar que falar sobre o assunto é o mesmo que falar sobre morte. Pelo contrário, ao discutirmos o suicídio, estamos falando de esperança, de prevenção, de salvar vidas.
Cura e acolhimento
Tratar o suicídio não é apenas uma questão de prevenção, mas de cura. Assim como o câncer, ele pode ser combatido se for detectado e tratado a tempo. O acolhimento, a terapia e o amor são o equivalente à quimioterapia e às cirurgias em casos de câncer. O cuidado emocional precisa ser constante, e não sazonal.
Minha revolta não é apenas contra a superficialidade das campanhas, mas contra a maneira como a sociedade lida com a saúde mental. Até quando vamos ignorar esse câncer que afeta tantas almas? Até quando vamos continuar silenciando a dor daqueles que sofrem, rotulando-os como fracos ou problemáticos?
Não podemos nos dar ao luxo de esquecer o Setembro Amarelo no primeiro dia de outubro. As vidas continuam em risco, mesmo quando os balões murcham, os chocolates são digeridos e as campanhas terminam. #saúdementaloanotodo
Alan Barros é escritor, palestrante e empreendedor social.